ATA DA DÉCIMA PRIMEIRA SESSÃO SOLENE DA SEGUNDA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA DÉCIMA LEGISLATURA, EM 24.05.1990.

 


Aos vinte e quatro dias do mês de maio do ano de mil novecentos e noventa reuniu-se, na Sala de Sessões do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre, em sua Décima Primeira Sessão Solene da Segunda Sessão Legislativa Ordinária da Décima Legislatura, destinada à entrega do Título Honorífico de Cidadão de Porto Alegre ao Doutor José Fernando Ehlers de Moura, nos termos da Lei nº 6569/90. Às dezessete horas e trinta e oito minutos, constatada a existência de “quorum”, o Sr. Presidente declarou abertos os trabalhos e solicitou aos Líderes de Bancadas que conduzissem ao Plenário as autoridades e personalidades presentes. Compuseram a MESA: Ver. Lauro Hagemann, 1º Secretário da Câmara Municipal de Porto Alegre, na Presidência dos trabalhos; Dr. Olívio Dutra, Prefeito Municipal de Porto Alegre; Dr. José Fernando Ehlers de Moura, Homenageado; Jornalista Antônio Firmo de Oliveira Gonzalez, representando a Associação Riograndense de Imprensa; Prof. Júpiter Torres Fagundes, representando o Reitor da Pontifícia Universidade Católica do Estado do Rio Grande do Sul, e Ver. Ervino Besson, na oportunidade Secretário “ad hoc”. A seguir, o Senhor Presidente fez pronunciamento alusivo à solenidade e, após, concedeu a palavra aos Vereadores que falariam em nome da Casa. O Ver. Omar Ferri, em nome da Bancada do PSB, discorreu sobre a justeza da concessão do Título Honorifico de Cidadão de Porto Alegre ao Dr. José Fernando Ehlers de Moura, em face dos serviços prestados por S. Sª. à comunidade, salientando, em especial, aspectos da história pessoal do Homenageado. O Ver. Isaac Ainhorn, na condição de autor da proposição que originou a homenagem, e em nome das Bancadas do PDT, PDS, PMDB, PTB, PCB, PFL, PL e PT, comentou sobre os motivos que o levaram a propor a presente homenagem, dizendo ter o Dr. José Fernando Ehlers de Moura dedicado sua vida ao Direito, seja como Professor ou exercendo a advocacia. Ressaltou sentir-se essa Casa orgulhosa por passar a integrar S. Sª a galeria dos novos Cidadãos de Porto Alegre. Em prosseguimento, o Senhor Presidente convidou os presentes a, de pé, assistirem à entrega do Título e da Medalha de Cidadão de Porto Alegre ao Dr. José Fernando Ehlers de Moura, respectivamente pelo Ver. Isaac Ainhorn e pelo Prefeito Municipal Olívio Dutra, concedendo, a seguir, a palavra ao Homenageado, que agradeceu o Título recebido. Às dezoito horas e quatorze minutos, o Senhor Presidente convidou as autoridades e personalidades presentes a passarem à Sala da Presidência e, nada mais havendo a tratar, levantou os trabalhos, convocando os Senhores Vereadores para a Sessão Ordinária de amanhã, à hora regimental. Os trabalhos foram presididos pelo Ver. Lauro Hagemann e secretariados pelo Ver. Ervino Besson, Secretário “ad hoc”. Do que eu, Ervino Besson, Secretário “ad hoc”, determinei fosse lavrada a presente Ata que, após lida e aprovada, será assinada pelos Senhores Presidentes e 1º Secretário.

 


O SR. PRESIDENTE: A Casa do povo de Porto Alegre se sente sumamente honrada, nesta tarde, em conceder esta láurea ao Dr. José Fernando Ehlers de Moura. O Dr. Moura é um gaúcho de Uruguaiana e recebe a justa homenagem dos porto-alegrenses, oportunidade em que o Prefeito Olívio Dutra lhe confere a honraria máxima que a Cidade reserva aos seus cidadãos mais ilustres.

O novo cidadão de Porto Alegre ingressou na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 1965, tendo exercido com invulgar zelo e dedicação a magistratura e o magistério superior nos últimos anos, constituindo-se num exemplo marcante dentre os profissionais de seu meio.

A nossa homenagem mais sincera, portanto, ao Dr. José Fernando Ehlers de Moura pelos inestimáveis serviços prestados à Cidade, que hoje retribui sua atenção, a quem sempre a dignificou e consagrou a sua vida ao direito e ao magistério. E eu pessoalmente me considero contemporâneo do Dr. José Fernando Ehlers de Moura porque o conheço desde os tempos acadêmicos. Por isto a minha honra ao presidir esta Sessão Solene é redobrada.

Falarão em nome da Câmara os Vereadores Omar Ferri, pela Bancada do PSB e Isaac Ainhorn, pelas Bancadas do PDT, PDS, PMDB, PTB, PL, PFL, PT e PCB.

Com a palavra o Ver. Omar Ferri.

 

O SR. OMAR FERRI: Sr. Presidente, Srs. Vereadores, demais componentes da Mesa. Eu tenho para mim que esta tarefa de falar homenageando o Dr. Moura é das mais fáceis que possa ser.

Lembro da metade para o final da década de 1950 que já conhecia o Dr. Fernando Ehlers de Moura. Naquela época ele era um jovem brilhante, assessor da SEC.

Foi meu amigo pessoal, contemporâneo de vivências nesta Cidade. Depois me afastei e fui advogar em Encantado em 1957.

E o tempo foi passando. De repente o Dr. Ehlers se inscreveu no concurso para Pretor, foi nomeado para Palmeira das Missões e para honra minha e do meu Município de Encantado, a sua segunda comarca, onde exerceu a pretoria foi a minha terra natal. Depois fez concurso para Juiz do Trabalho. Exerceu a sua atividade juridicional em Passo Fundo, Uruguaiana, Porto Alegre e aqui veio a ser o Diretor do Fórum Trabalhista sendo hoje o Presidente do Tribunal Regional do Trabalho do RGS. Um juiz que adota na sua vivência tanto pessoal como juridicional o mais alto e abrangente conceito de dignidade humana, um juiz que sempre tratou o seu semelhante dentro da maior consideração possível, um juiz que tem a sensibilidade de respeitar um cidadão humano. Parece-me que esta, além de outras, é a qualidade mais notável do Dr. Fernando Ehlers de Moura. Nunca ouvi e no início da minha atividade profissional foi exatamente na Justiça do Trabalho aqui em Porto Alegre nenhuma palavra sequer, nunca ouvi se levantar uma voz, sequer, um advogado apenas que estivesse uma vez ou outra contrariado por um posicionamento, por uma decisão ou por qualquer uma atitude do Dr. Fernando Ehlers de Moura. Por isso ele cresceu no conceito não apenas meu, mas entendo que cresceu no conceito dos advogados do RGS, principalmente dos advogados que exercem a sua profissão na Justiça do Trabalho. Acórdãos brilhantes, inteligência jurídica portadora de uma perspicácia incrível. Suas sentenças e eu advoguei na Quarta Junta de Conciliação e Julgamento por dezenas de vezes e pelo menos nas vezes que atuei não lembro que alguma sentença minha viesse a ser posteriormente modificada pelo Egrégio Tribunal Regional do Trabalho.

Ao prezado amigo, ao companheiro dos tempos antigos, ao Dr. Fernando, D. Cristina, sua senhora, o nosso aplauso, a nossa consideração, a nossa alegria sensível por podermos participar, depois de tanto tempo, de um momento tão eloqüente, tão solene. Meus parabéns, muitas felicidades. Muito obrigado. (Palmas.)

                           

(Revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: A Mesa concede a palavra ao proponente da homenagem, Ver. Isaac Ainhorn, que falará em nome das Bancadas do PDT, PDS, PMDB, PRB, PCB, PFL, PL e PT.

 

O SR. ISAAC AINHORN: Sr. Presidente, Srs. Vereadores, senhoras e senhores. Algumas Sessões, algumas proposições são inegavelmente extremamente gratificantes, e esta, realmente, Dr. José Fernando, é uma delas. Acredito sinceramente que a representação política da cidade de Porto Alegre, a Câmara de Vereadores desta Cidade, presta uma homenagem reconhecida ao Dr. José Fernando Ehlers de Moura, uruguaianense que dentro de poucos momentos a ele será solenemente concedida, outorgada a cidadania de porto-alegrense. Essa honraria tem um significado e uma expressão muito grande na medida em que ela se constitui numa Lei da cidade de Porto Alegre. É uma lei examinada pelos representantes desta Cidade, que foi examinada em votação secreta, e eu dizia ao nosso homenageado que a concessão de cidadania do Dr. Moura foi a última de votação secreta porque a nova Lei Orgânica do Município de Porto Alegre aboliu todas as votações secretas. Hoje nós estamos aqui num momento extremamente gratificante, por ser exatamente o autor desta iniciativa em que homenageamos e concedemos a outorga da cidadania de Porto Alegre, após aprovada por esta Casa, sancionada pelo Sr. Prefeito Municipal. E, neste momento estamos lhe outorgando a cidadania em todas as homenagens e as responsabilidades inerentes a esta condição, a que o Dr. Moura, por seus relevantes serviços, por tudo aquilo que ele já fez por Porto Alegre ele é merecedor desta honraria maior que a cidade de Porto Alegre neste fim de tarde lhe concede. Repito, o faz por justiça, por serviços prestados a sua gente, a esta terra que ele realizou ao longo dos 30 anos de sua permanência nesta Capital, com algumas idas e vindas. Devo ressaltar, por dever de consciência, que este gaúcho de Uruguaiana, a par de ter feito muito por nossa Porto Alegre, consagrou sua vida ao Direito. Afirmava eu, ao justificar a minha proposição, que do seu ingresso, em 1955, na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, até a sua eleição, a 30 de junho deste ano, à Presidência do Tribunal Regional do Trabalho, José Fernando Ehlers de Moura, no Magistério Superior ou na Magistratura, sempre esteve voltado ao Direito. Em 1961, através de concurso de títulos assumiu o cargo de Pretor, em Porto Alegre e, um ano mais tarde, entre 31 aprovados, foi o quinto no concurso para o cargo de Juiz do Trabalho Substituto. Antes de ser Pretor, exercera a advocacia e, no Magistério Superior, ingressara em 1974, para a vaga de Auxiliar de Ensino de Direito do Trabalho da UFRGS, sempre através da porta estreita do concurso.

Nesta carreira de vida, em 1962, foi nomeado para o cargo de Juiz Suplente da JCJ de Passo Fundo, desempenhando estas funções até julho de 1963, por concurso público, nomeado Juiz Substituto, foi promovido a Juiz Presidente da JCJ de Uruguaiana, cargo que exerceu durante dois anos.

Sua meteórica carreira continuou neste mesmo diapasão: Presidente da JCJ de Caxias do Sul até 1966 e Juiz Presidente da JCJ de São Leopoldo de 1967 até 1969 e, após, Juiz Presidente da 4ª JCJ de Porto Alegre, designado que foi pelo Tribunal Regional do Trabalho. No Tribunal Regional do Trabalho, da 4ª Região, em substituição ao titular e pelo critério de livre escolha, foi convocado, de 1969 a 1980, por vinte vezes, permanecendo na jurisdição superior, também por antiguidade, por 957 dias. Por vaga criada pela Lei n° 7.119, de 1983, foi promovido por merecimento, para o cargo de Juiz Togado do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, a 18 de outubro de 1983. Em 30 de julho de 1989, por seus pareceres do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, foi eleito Presidente do Tribunal com mandato para o biênio 1989/1991, cargo que exerce desde sua posse em 17 de julho último.

Esta suma das sumas do curriculum vitae de José Fernando Ehlers de Moura não permite aquilatar toda sua grandeza, toda sua dedicação à Justiça do Trabalho, na convivência, no exercício do Magistério Superior, com Barata e Silva, Ruy Cirne Lima, Breno Sanvicente, Ney Messias e tantas outras, inesquecíveis todas, nosso homenageado sempre tem em mente que o “trabalho é o caminho pelo qual o homem procura satisfazer suas necessidades sociais”. Em memorável discurso, pronunciado em 5 de setembro de 1934, Lindolfo Collor, o primeiro ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, afirmava: “Tenho como indiscutível que o século XX é o século do social, assim como o XIX foi o econômico e o XVIII foi o político”. Político foi o século XVIII: ele culminou com a declaração dos direitos do homem, conquista doutrinária de enciclopédia e afirmação vitoriosa da Revolução Francesa. Econômico, o século XIX. Comparai, no seu aspecto econômico e utilitário, a civilização ocidental no começo com o fim do século passado. O caminho percorrido pela humanidade, nesta centúria, foi estupendo. Dir-se-ia que, do ponto de vista econômico, a sociedade houvesse realizando nesses cem anos progressos maiores do que através de toda a idade moderna, entretanto, se examinarmos a situação do trabalhador, quer isolada, quer coletivamente no começo e no fim do século XIX, logo nos convenceremos de que este formidável progresso, conseguido no ambiente universal do individualismo econômico, por segundo não teve apreciável repercussão sobre o bem-estar, a cultura e a dignificação social das massas proletárias. Assim, o século XX tem esta enorme tarefa a realizar: a aplicação das conquistas políticas e econômicas dos séculos anteriores à esfera social. E que significa isto na pratica, meus amigos? Significa, acentuava Lindolfo Collor, “que as questões puramente econômicas, de acumulação de riquezas, tampouco podem merecer a atenção dos deserdados da fortuna, cansados da função de instrumentos nas mãos do capitalismo clássico, que pretende ser um fim quando apenas deve e pode ser um meio encaminhado ao aperfeiçoamento moral da sociedade. Esta e não outra política de construção dos nossos tempos”.

Agora, em 1990, dez anos a separar-nos do século XXI, ainda são sábias e adequadas as palavras de Lindolfo Collor, cujo centenário de nascimento assinalamos neste ano. E, sem dúvida nenhuma, podemos, sem medo de errar, dizer que José Fernando Ehlers de Moura é um destes construtores da política apregoada por Lindolfo Collor. Sei que ele, levou à risca sempre em sua vida no Direito que “o trabalho, além de ser um dos direitos naturais do homem, é um dever pessoal e um dever social”, como nos ensinava na UFRGS o emérito prof° Carlos Alberto Barata e Silva.

Em seu livro “Introdução ao Direito Brasileiro”, ele nos ensina, ainda, que “como direito, o trabalho tem por fim a conservação da vida”. Devemos, pois, reconhecer o direito ao trabalho, direito este que se radica no próprio direito à vida. Mas, a par de um direito, o trabalho é também um dever social. O homem vive em sociedade. A coletividade não dispensa o trabalho para a sua existência. Sem o trabalho dos homens a coletividade não pode subsistir. Logo, o trabalho é uma obrigação que os homens têm perante a própria coletividade. E esta figura que hoje a Câmara de Vereadores de Porto Alegre homenageia por todo este currículo, por toda esta história de mais de 30 anos dedicados ao direito, e dentro do direito mais especialmente ao direito do trabalho, trilha que escolheu na sua vida profissional chegando nesta condição ao cargo mais expressivo dentro da estrutura do nosso Tribunal do Trabalho do nosso Estado. É inegável que esta Casa, uma Casa política, representativa da vontade política da cidade de Porto Alegre, hoje se sente extremamente orgulhosa de conceder esse título a um homem cujas atividades dignificam e honram qualquer cidade onde ele estivesse. Por tudo isso é que hoje esta Casa, através dos seus Vereadores, através de uma lei municipal, com a presença dos senhores nesta Sessão Solene, outorga ao Dr. José Fernando Ehlers de Moura, o título de Cidadão de Porto Alegre. E mais, considerando que sendo o trabalho um direito e que esse direito deve ser respeitado, que o Estado deve intervir para estabelecer as normas desse direito e, principalmente, uma vez que o trabalho é um dever social, a medida desse dever deve ser dada pelo Estado, esse Estado que José Fernando Ehlers de Moura vem servindo ao longo de sua vida, por tudo isso é que nos sentimos extremamente gratificados de, neste final de tarde, outorgar, ao nosso homenageado, a condição de Cidadão de Porto Alegre, título justo e merecido, talvez o título mais importante a uma das figuras mais representativas, mais significativas, do elenco de títulos que esta Casa outorgou no curso da existência dessa honraria. Uruguaianense José Fernando Ehlers de Moura, hoje a cidade de Porto Alegre lhe recebe como Cidadão de Porto Alegre, assim como em 1955 lhe recebeu quando o senhor aqui iniciava a sua caminhada como acadêmico de Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Muito obrigado. (Palmas.)

                           

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Em cumprimento à legislação que concede os títulos honoríficos de Cidadão de Porto Alegre, eu tenho o prazer de convidar o Ver. Isaac Ainhorn para fazer a entrega ao homenageado do diploma correspondente e convido o Prefeito Olívio Dutra para fazer a entrega da medalha respectiva. Convido o Plenário para, em pé, assistirmos a esse ato.

 

(O Plenário, em pé, assiste à entrega do título e da medalha.) (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE: A Mesa concede a palavra ao mais novo Cidadão de Porto Alegre, Dr. José Fernando Ehlers de Moura.

               

O SR. JOSÉ FERNANDO EHLERS DE MOURA: Sr. Vereador Lauro Hagemann, no exercício da Presidência desta Casa; Dr. Olívio Dutra, Prefeito Municipal de Porto Alegre; demais membros da Mesa; Srs. Vereadores; Srs. Líderes; Ver. Omar Ferri; Ver. Isaac Ainhorn, que me saudaram com tão generosas e imerecidas palavras; meus familiares; meus convidados.

É com a maior emoção que recebo esta honra insigne, a maior da minha vida, das mãos dos representantes do povo de Porto Alegre. Embora não encontre em mim méritos para tanto, vejo esta homenagem como ­um caso de amor correspondido. E amor se tem, ou não se tem. Amor se ­dá, ou não se dá. E não se cogita de merecimento para se dar ou receber.

Se o homem é ele e sua circunstância, como notou Ortega y Gasset, a circunstância apresenta duas dimensões distintas: a natural ­e a cultural. Consideradas as dimensões do país, do estado e do município, pode-se afirmar que o âmbito do município corresponde mais comumente à circunstância natural do homem, é o seu “habitat”, pois é dentro dessa área mais restrita que circula com seus próprios passos, onde normalmente exerce o processo de interação social, onde vive e convive diariamente. A vida e o convívio na esfera estadual ou nacional é uma ficção. O município constitui a comunidade natural e espontânea. Outro não é o fundamento do municipalismo.

Se ponderarmos que “o homem não é uma espécie natural: é uma idéia histórica”, como escreveu Merleau Ponty, conceito que enfatiza a especificidade humana, que é a criação do universo do pensamento, dos valores e dos objetos fabricados, numa palavra, a cultura, a qual é dinâmica e, portanto, histórica, temos aí a outra dimensão da circunstância, que é a dimensão cultural.

Nessa dimensão é ainda inafastável a relevância do município ou da cidade, pois é aí que se situam a família, a escola e a comunidade primária, que transmitem o legado de crenças e valores de geração a geração.

É na comunidade municipal ou citadina que se forma, através­ das vivências, o ponto de vista de cada um, o modo subjetivo e próprio ­com que cada pessoa vê a si, os outros e o mundo.

Trazido por meus pais das plagas da fronteira, de Uruguaiana, a minha cidade natal, cheguei a Porto Alegre na infância. Aqui estudei e me formei. Aqui me uni pelo casamento a uma porto-alegrense e em Porto Alegre nasceram os meus filhos. Na verdade, muito mais do que sou e tenho devo a Porto Alegre do que à cidade que me viu nascer.

Não tive um caso de amor à primeira vista com Porto Alegre. Não. Foi um afeto que nasceu devagar e foi crescendo lento, lento, com ­o decorrer dos anos, até se tornar um sentimento profundo e transcendente.

Foi aqui, sob o céu, sob o sol ou o luar de Porto Alegre, que ­aprendi a ver a vida e o mundo. Foi a paisagem desta Cidade que moldou ou matizou minhas emoções, concepções e idiossincrasias.

Quando invoco na memória e na saudade uma imagem cara de Porto Alegre, vejo-a nos anos da minha adolescência e mocidade, no alvoroço dos bondes ou, mais especialmente, nas tardes de luz da Rua da Praia. Muito se tem falado da expressão e significado da Rua da Praia como alma de Porto Alegre. Essa vibração já era sentida no início do século, como­ revela Theodemiro Tostes em suas Memórias - Nosso Bairro, “Porque a Rua­ da Praia marcou no nosso tempo um amável ponto de encontro e também um ponto de partida. Era na Rua da Praia de então que ficavam os bares aconchegados, que passeavam as raparigas em flor, que se sentia a vida da Cidade. A Rua da Praia era uma grande vitrine onde os nossos bovarismos desfilavam. A gente passeava na Rua da Praia como se passeasse no centro do mundo”.

Alguém, todavia, já surpreendeu “alma” em todas as cidades, tendo-se afirmado que “as cidades sobretudo têm assim a sua personalidade, um espírito autônomo, um caráter quase exteriorizado que corresponde à alegria, ao amor novo, à renúncia, à viuvez. Toda cidade é um estado de alma e basta demorar-se nelas um pouco para que esse estado de alma se comunique, se nos propague num fluído que se inocula e se incorpora com­ a nuança do ar”. Entretanto, para mim, filho seu de adoção e opção, nada ­se compara à alma e ao sorriso de Porto Alegre.

Se do amor ao lar nasce o amor da pátria, como escreveu Dickens, o amor mais vivo, mais intenso, mais real na idéia de pátria é o amor à sua cidade. “A Pátria mais perfeita será a mais local, pelo amor à gleba, e a mais universal, pelo amor ao mundo”, asseverou Guerra Junqueiro.

Sob o céu e à luz do sol de Porto Alegre, eu enxerguei o mundo. Aqui eu icei o lábaro dos meus ideais e iniciei minhas andanças quixotescas. Aqui eu amanheci para a vida e começo a sentir a dissipação da tepidez do sol do entardecer.

No intercâmbio com o meio ambiente, nesse feixe de ações e reações recíprocas entre a criatura e a circunstância, que exprime o pulsar da vida, a paixão por esta Cidade me envolveu e transcendeu. Pelo processo vital da assimilação Porto Alegre penetrou nas minhas veias e impregnou a substância do meu ser. Carregar o ser amado no âmago do próprio ­ser, a este incorporado e transfundido... Isto é amor. Porto Alegre se ­fundiu comigo. Carrego esta Cidade como parte de mim mesmo. E eu sou eu porque tenho Porto Alegre como parte de mim. Eu sou eu e esta Cidade. Muito obrigado.

 

(Não revisto pelo orador.)

               

O SR. PRESIDENTE: O discurso do nosso homenageado foi uma declaração de amor à Cidade. E nada mais precisa ser dito.

A Mesa agradece a presença do Dr. Júpiter Torres Fagundes, representando a PUC; do jornalista Antônio Firmo Gonzáles, representando a ARI; do nosso Prefeito Olívio Dutra; da Sr.ª Cristina Cânova de Moura, esposa do nosso homenageado; do próprio homenageado; dos inúmeros amigos que vieram aqui prestigiar com sua presença este ato solene, os meus velhos companheiros dirigentes sindicais, que hoje estão com assento no Tribunal Regional do Trabalho; amigos, velhos companheiros dos anos 1950 do Júlio de Castilhos, e todos os que vieram a este ato solene.

Muito obrigado pela presença de todos.

 

(Levanta-se Sessão às 18h14min.)

 

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